Perpétuo


Aquele lugar era escuro e frio. Ele podia ouvir o som de uma goteira, mas não conseguia sabe da onde vinha. Ele não merceia estar ali. E até quando ficaria? Sua mãe o esperava em casa. Quem iria avisá-la onde ele estava? Quem iria levar comida para casa? E era esse o seu grande problema, a comida.
Ele saiu ao amanhecer naquele dia. Mal havia dormido ouvindo a tosse de seu pai e de seu irmão mais novo. Sua mãe não havia dormido nada, cuidando dos dois, apesar de não poder fazer muito por eles. Ele saiu como todo dia, procurando comida para a sua família. Era muito novo para trabalhar, por isso passava os dias mendigando nas ruas, procurando pão velho nas padarias ou frutas podres nos lixos. Sempre conseguia alguma coisa ou lucrava alguns trocados para comprar umas batatas ou feijões para engrossar a sopa.
Normalmente esse sustento era pouco para quatro pessoas, mas era muito mais do que ele conseguiria se permanecesse em casa cuidando do pai e do irmão ou se estivesse na escola. Afinal, para que servia a escola? “Conhecimento não enche a barriga”, era o que lhe diziam, aprender a ler não levará comida para casa, aprender a fazer contas não irá curar seu pai e irmão. Sua mãe não podia sair de casa, não podia deixar os dois sozinhos e doentes. Ela tinha que ficar cuidando deles enquanto o pequeno garoto fazia o que estava em seu alcance para sustentar a família.
Naquele dia, parecia que não tinha muitas pessoas na rua, a padaria estava fechada e os lixos vazios. Ele só conseguira uma moeda de uma senhora muito bem vestida, que andava com guarda-chuva na mão e a bolsa na outra. Ela torceu o nariz ao sentir o cheiro do garoto e passou longe dele, mas ele foi até ela. A senhora só lhe deu uma mísera moeda quando ele fez menção de encostar no vestido dela, feito da melhor e mais cara seda e de um rosa único.
Aquela moeda não podia pagar nem meia batata, por isso, quando anoiteceu, ao invés de ir para casa como de costume, ficou um pouco mais na rua. Precisava conseguir mais dinheiro, não podia voltar de mãos abanando. As ruas eram outras quando o sol se punha e os lampiões eram acesos. Um grupo de jovens bêbados veio provoca-lo. Entre risadas, perguntaram-lhe o que ele fazia fora de casa tão tarde. O garoto respondeu que só havia ganhado uma moeda naquele dia, mas que isso era insuficiente. Um dos homens tomou-lhe a moeda da mão e o empurrou sobre uma poça de esgoto que se acumulava na rua. Deste modo, os homens foram embora com sua única moeda, rindo alto e dançando. O garoto estava mais imundo e mal cheiroso que antes, fazendo com que as pessoas atravessassem a rua ao vê-lo. Ninguém mais chegava perto dele. Com o ele poderia ganhar dinheiro assim?
Começou a andar noite adentro, sem rumo, sem coragem de voltar para casa. Então se deparou com uma taverna. Eles tinham comida lá, talvez pudessem lhe dar alguma sobra. Foi em direção à entrada. Assim que um homem muito forte e alto, que estava parado ao lado da porta, o viu, impediu-o de entrar. Disse que ele era muito novo e fedorento. Mesmo justificando a sua presença ali, o homem dispensou-o. “Deve haver uma entrada dos fundos”, pensou. Ele achou exatamente o que procurava, uma entrada que dava diretamente na cozinha do lugar. Foi falar com o cozinheiro, mas só o que ganhou foram ameaças relacionadas ao facão que ele segurava. Saindo de lá, viu algumas galinhas ciscando. Galinhas… há quanto tempo ele não comia carne… Sua mãe ficaria tão feliz em fazer um ensopado de galinha. Talvez elas tivessem carne o suficiente para três dias. Com certeza seu pai e seu irmão melhorariam comendo um pouco de carne. Mas o cozinheiro já tinha expulsado-o, não iria aceitar lhe dar uma galinha inteira.
Ele nunca tinha feito isso, mas não tinha opções. Pegou uma das galinhas e saiu correndo. O cozinheiro viu e começou a gritar e correr atrás dele. Quando o homem que estava ao lado da porta de entrada viu o que acontecia, também correu. Os dois eram muito maiores e mais fortes que ele e logo o alcançaram.
O garoto teve sorte. Estava morrendo de medo do que os homens fariam com ele, quando a polícia chegou. Mas ele acabou não tendo tanta sorte quanto imaginava. Os policiais o levaram preso por roubo. Ele tentou explicar por que roubou, mas os policiais não o ouviram. Colocaram-no numa cela vazia e escura e trancaram-na. Disseram que ele ficaria lá até apodrecer. Quanto tempo seria “até apodrecer”? Quem avisaria sua mãe que ele não voltaria para casa essa noite? Que estava preso ali, pois tentou roubar comida para seu irmão e seu pai? Sua mãe ficaria tão decepcionada com ele… Aquela noite foi muito longa, mais longa do que qualquer outra. Ele ficou lá, trancado, sem ver a luz do dia, sem saber se já havia amanhecido, e com muita fome e frio. Ele adormeceu. Adormeceu e não acordou mais.


4 comentários:

  1. Oi amiga, achei seu blog lindo, já estou seguindo e sempre que puder passarei por aqui, trabalho com artesanato em eva, venha conhecer meu cantinho ficarei muito feliz.

    Não deixe de curtir minha página no Facebook se puder tá.....bjs

    valartesdigitais.blogspot.com

    Val

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  2. Eis aí um dilema moral. Bem sabemos que é mais fácil alguém que rouba comida ser preso do que alguém que rouba milhões em verbas destinadas às instituições de assistência social. Deveriam os policiais compreendê-lo ao invés de trancafiá-lo para que apodreça (como bem ocorre em nossa sociedade)? B.L, a propósito, por acaso, quer ver outra situação moral delicada?>>> O http://jefhcardoso.blogspot.com anseia por um comentário de sua parte. Abraço!

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  3. Oie, tudo bem?

    Bom, eu sou a Kell, colunista de filmes do "Dear Book"! Acabei de ler seu comentário na minha resenha de "O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus" e fiquei tão encantada e feliz com ele, que resolvi visitar seu blog, pois fiquei curiosa! hauhauahuahua

    Adorei, você está de parabéns!!
    E tbm vi que vc cursa psicologia, realmente é uma profissão muito interessante, eu adoro os temas que vcs estudam ^^

    Bom, estou te seguindo! =)
    Beijos,
    Kell

    http://jornalkell.blogspot.com

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