A Menina e os Fósforos



A garota acordou. Estava sozinha num local estranho. Tudo estava escuro e ela não sabia onde estava. Nem sabia como tinha chego lá. A última coisa que se lembrava era de estar andando sozinha na rua quando desmaiou. Deve ter sido de fome ou calor, ela não tinha certeza. Aquele dia tinha tido muito sol, mas também já fazia um tempo que ela não comia. Aliás, será que ainda era dia? Ficou se perguntando se poderia sair dali, mas não via nenhum resquício de luz. Ninguém iria vir buscá-la, pois ninguém sentiria sua falta. Ela nunca teve amigos ou família...
Desde que se entende por gente, ela vivia na rua. No começo achava que todos nasciam das árvores, afinal os parques sempre estavam cheio de crianças: as com pais e as sem pais. Ela achava que os adultos iam lá e escolhiam algumas crianças para levar para casa e cuidar delas como filhos. As que sobravam viviam como crianças de rua, como ela. Depois, quando pediu para uma mulher levá-la para casa, pois ninguém tinha escolhido-a ainda, a moça se assustou e explicou que ela tinha uma mãe, mas essa deveria ter abandonado-a. Essa informação nunca fez diferença em sua vida.
Sabendo que nunca sairia daquele lugar se não por conta própria, resolveu fazer algo. Apoiou-se no chão e percebeu que estava cheio de pó e tinha uma pequena camada gosmenta, meio úmida. Já tinha andado pelos lugares mais sujos possíveis, mas nunca tinha se deparado com nada como isso. Tentou levantar-se, mas bateu forte com a cabeça num teto muito baixo. Não deveria estar num local com mais de um metro de altura, embora ela não conhecesse unidades de medida.
Sentou-se confortavelmente e tentou analisar suas alternativas. Lembrou-se de uma caixa de fósforos que tinha encontrado um dia na rua e tinha escondido num bolso do vestido que usava, vestido este ganho de uma velha confeiteira que disse que a roupa era de sua neta, mas já não lhe cabia mais. Ela havia comentado “Essas crianças de hoje, as roupas não lhe duram mais de alguns meses de tão rápido que crescem.” Ela já usava aquele vestido por uns bons dois anos.
Pegou a pequena caixa e ascendeu um palito. O curto tempo em que o fogo existiu iluminou apenas uma pequena região, antes de queimar seus dedos. Ela pode confirmar o quão baixo o teto era e viu que o chão era coberto de um fino tapete verde que lembrava uma pequenina planta, mas com certeza não era nada como as que ela via nos parques. Foi ascendendo um palito atrás do outro, analisando tudo ao seu redor. Não encontrava nenhuma porta. Todo o teto acima de si era maciço e as paredes ficavam muito longe dela, sendo difícil a locomoção naquele pequeno espaço.
Conforme ela ia ascendendo os fósforos, sua percepção ia mudando. Uma vez parecia que o lugar era infinitamente grande, sendo impossível alcançar uma de suas paredes, outras vezes parecia que as paredes estavam muito próximas de si, se locomovendo em sua direção. Nessas vezes, o desespero tomava conta de si, ela achava que seria esmagada e morreria ali. Mas logo ela acendia outro palito e já não conseguia ver as paredes, de tão longe que estavam.
Já não sabia o que fazer. Algumas vezes pensava que não sobreviveria, outras pensava que quem tivesse lhe colocado ali não se esqueceria dela e iria levar-lhe comida e, assim, veria um pouco de luz que não viesse de seu pequeno fogo e também iria encontrar a porta. Foi queimando um fósforo atrás do outro, descartando os usados no chão a sua frente. Aos poucos seu pequeno pulmão começou a doer, seu peito subia e descia mais rápido.
Ela já havia sentido tantas dores por tantos motivos nessa vida que achou que era qualquer outra banalidade como as outras. Como daquela vez em que tinha sido atropelada por um carro e o motorista se recusou a parar. Ninguém ligou para uma menina toda suja e mal tratada como ela caída no canto da rua, portanto seguiu seu caminho. Quando chegou ao parque onde adorava ver as crianças com seus pais, levantou a roupa para ver a costela que lhe doía. Sua pele estava roxa e um garotinho comentou que adoraria ter a pele daquela cor, portanto ela guardou com carinho aquela lembrança e não mostrou para ninguém sua nova cor para não despertar inveja.
Mas aquela não era uma dor qualquer. Era a dor característica da falta de oxigênio nos pulmões. Todos aqueles fósforos que ela queimou consumiram todo o ar respirável. Ela estava sofrendo de asfixia e nem percebia. Aos poucos foi tendo tontura e se deitou no chão para descansar, mas ainda queimando seus fósforos. Ela viu, bem ao longe, uma porta se abrindo e uma luz vindo em sua direção. Uma pessoa estava na porta. Mas naturalmente isso não passava de um delírio pela falta de oxigênio no cérebro. Ela sorriu e fechou seus olhos, feliz por pensar que iria sobreviver e, ao invés disso, morreu. Morreu feliz por sobreviver.

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