Naquela Tarde Sozinha

 
Ela ouviu o portão abrindo ao longe. Não poderia ser seu pai, pois ele estava vendendo a última safra de milho colhida no dia anterior e voltaria muito tarde, como sempre acontecia. Sua mãe tinha ido à cidade e havia saído a pouco, portanto ainda não deveria ter chego lá. Ela estava sozinha em casa, varrendo, arrumando, ajeitando e lavando louça. Fazia um doce de abóbora quando ouviu o estranho barulho.
Ela não podia parar de mexer o doce. Caso contrário, ele queimaria. Pensou que poderia ser sua imaginação, não havia ninguém lá fora. Continuou com seu trabalho, mas ouviu novamente o portão. Agora ele deveria estar sendo fechado. Os pêlos de seu braço arrepiaram ao imaginar o que poderia ser. Seu coração batia mais rápido e ela tentava, inutilmente, controlá-lo.
É tudo imaginação, não há ninguém no portão. É só aquele medo bobo de ficar sozinha em casa. A propriedade de seus pais era grande e quase inteiramente destinada à plantação de milho. Portanto a casa dos vizinhos ficava muito longe para alguém acudir durante alguma emergência. Isso sempre lhe causou um pouco de preocupação. Por isso era comum que as pessoas que viviam no campo tivessem armas escondidas em casa, para o caso de um assalto. Mas e se acontecesse uma emergência médica? Esse era seu principal medo, pois a ambulância demoraria a chegar lá. A estrada que levava à fazenda era de terra e muito acidentada. Eles viviam num local de difícil acesso.
Os cachorros começaram a latir. Ela ficou paralisada. Eles eram usados para proteção da propriedade. Caso houvesse uma invasão e ninguém ouvisse, os cachorros latiriam para nos alertar. Era uma espécie de campainha involuntária ao recém-chegado. Nesse momento ela desejou que os cães não estivessem acorrentados. Pensou em ir buscar a espingarda de seu pai, mas ela não sabia usá-la e, provavelmente, faria papel de garotinha medrosa. Sua mão tremia enquanto ela tentava continuar a mexer o doce, fazendo-o cada vez mais rápido sem perceber.
Os latidos cada vez mais intensos faziam-na se desesperar. Parecia que a pessoa estava cada vez mais perto. De repente o silêncio reinou. Tudo ficou mudo como se ela estivesse surda. Os cachorros haviam parado de latir. Será que ele havia matado-os? Pensou em ir ver o que acontecia, mas teve medo do que veria. Sua distração fez com que sua mão encostasse-se à panela quente, queimando-a. Ela levou-a a boca rapidamente, largando tudo o que fazia.
Ouviu passos. Algumas folhas secas eram esmagadas em frente à sua casa. Não sabia se ia ver quem era, ficava parada ou se escondia. Resolveu sair pela porta dos fundos, contornar a casa e ver quem se aproximava. O medo ainda tomava conta de si. Devagar e evitando fazer barulho, foi caminhando pela lateral da casa, tentando dominar todos os instintos que gritavam em seus ouvidos. Seu coração batia tão rápido que ela pensava que quem estivesse perto poderia ouvir suas batidas. Seu corpo todo tremia e ela tinha medo de perder o próprio controle.
Foi se espreitando até conseguir ver a entrada da casa. Um homem tentava olhar pela janela, através da cortina semitransparente. Da onde observava, conseguia ver a cozinha e o tacho de abóbora recém-abandonado. O local exato que havia abandonado alguns segundos antes. O homem se endireitou e, de forma inesperada, bateu forte na porta de entrada.
A garota assustou-se, inspirando rapidamente o ar ao seu redor. Com a respiração ofegante, denunciou seu esconderijo. O homem olhou para ela. Esta não soube como reagir quando viu o rosto dele. Em seu corpo, percorreu uma confusão de sentimentos, instaurando por fim o alívio. Todos os seus medos e pensamentos sumiram e ela correu. Abraçou o homem como nunca havia abraçado ninguém. Estava segura! Aquele era apenas seu namorado.

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