Direitos da Liberdade



Ela nasceu numa família rica. Sempre teve tudo antes mesmo de querer. Sempre teve uma boa vida, nunca passou por uma necessidade. Mas isso não fez dela uma criança mimada. Certa vez, voltando da escola, viu uma mulher com um bebê vestindo trapos, sentada na calçada em cima de um papelão e coberta por uma manta velha e rasgada. Ela pediu para que seu motorista parasse o carro. Pegou um sanduíche em sua lancheira, que ela não havia comido no recreio, e entregou à mulher. Ela ficou muito grata, mas a menina não se sentiu fazendo mais do que a sua obrigação. Quando chegou em casa, sua mãe lhe deu uma bronca pelo que elas tinha feito. O motorista havia lhe contado. Nos dias seguintes, ela simplesmente jogava o sanduíche pela janela do carro, para que ninguém, além dela e da mulher, soubessem disso. Ela tinha apenas seis anos.
Quando cresceu, uma súbita paixão por livros assolou-a. Ela começou a ler todos os livros que tinha em mãos e seus pais lhe forneciam quantos ela quisesse. Por entre as páginas, viu sua adolescência chegar e tomar conta dela. Ela começou a tomar gosto por músicas que seus pais desaprovavam. Isso só aumentou seu gosto por elas e piorou sua relação com seus pais. Eles não conseguiam entender da onde surgia tanta revolta, essa vontade de ser alguém que ela nunca foi, esse desejo de ser diferente. Eles sempre haviam lhe comprado roupas das melhores marcas e da melhor qualidade, sempre havia lhe dado tudo o que queria. Se ela não estava satisfeita com o que lhe davam, então não teria nada.
Tiraram-na da escola cara que estudava para matriculá-la, sem seu consentimento, num colégio qualquer. Não lhe davam mais roupas, acharam que o que ela tinha era o suficiente. Não lhe davam mais livros, obrigando-a a reler os antigos. Proibiram-na de passar o tempo em seu quarto, para terem controle de suas atividades. Só não a proibiram de mexer no computador e de assistir televisão, pois ela não tinha esse hábito.
Ela se tornou alguém infeliz. Viu sua vida sendo limitada (mais ainda) à sombra de seus pais. Mas suas opções não impediram que ela se tornasse o que gostaria. Continuou ouvindo suas músicas. Tingiu e modificou suas roupas de acordo com o se gosto, de modo que, sem roupas novas e obrigada a usar as velhas, ela usava suas “novas” e, caso seus pais a obrigassem a se vestir como antes, teriam de comprar novas roupas, burlando a própria regra.
Embora não estando feliz, pois cada ação sua gerava mais briga com seus pais, ela se obrigou a fazer novas amizades na nova escola. Encontrou uma garota disposta a ajudá-la a pintar seu cabelo de rosa e preto, deixando seus pais loucos. Eles proibiram a filha de voltar a falar com a amiga e tingiram ser cabelo de volta à cor natural, aprofundando-a ainda mais em sua depressão. Nos meses seguintes, ela se voltou somente aos estudos. Tornou-se a “filha perfeita” que seus pais queriam.
Passou numa faculdade boa e, contra a vontade dos pais, começou a trabalhar. Conseguiu dinheiro suficiente para se sustentar numa vida simples. Saiu de casa. Seus pais não aceitaram, mas não conseguiram impedi-la. Trabalhou e fez economias. Quando se formou, usou suas economias para viajar o mundo todo. Fixou residência na Inglaterra, onde conheceu um homem, também de família rica, por quem se apaixonou. Foram morar juntos, apesar dos protestos de ambas as famílias. Depois de alguns anos se casaram.
Adotaram duas crianças. Seus pais não as reconheceram como netos, já que sempre foram contra adoção. Eles diziam que não se podia confiar nelas, que deveriam ter doenças e nunca iriam respeitar os pais por não serem biológicos. Quando estava grávida pela primeira vez, seu pai morreu de doença do coração. Não demorou muito para que sua mãe morresse de desgosto. Embora tivesse vergonha de assumir, já que, apesar das brigas, ela gostava dos pais, enterrá-los foi como tirar um fardo de suas costas. Ela enterrou o peso que carregava junto com eles.
Viveu feliz como nunca tinhas sido debaixo do teto dos pais. Amou, como nunca havia amado a ninguém, seu marido e seus filhos, que agora se somavam em cinco. Teve sua liberdade e garantiu que seus filhos também a teriam, permitindo que eles se vestissem como gostassem, ouvissem as músicas que quisessem e agissem como bem entendessem. Eles tiveram a felicidade que ela não teve em sua infância e adolescência.

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