Rompendo a Sociedade


Eu estava naquele lugar que mais se parecia com um casulo; era pequeno, mas confortável. Era quentinho e continha todo o alimento que eu precisava por certo período de tempo. Mas eu sabia que um dia teria que sair dali. Era inevitável; eu teria que crescer e aquele lugar já não seria mais apropriado, portanto comecei aos poucos. Comecei abrindo uma fresta do “casulo”, empurrando-o com minha cabeça e fui saindo, aos poucos, de lá de dentro. Era como nascer, eu acho. Mesmo depois de sair parcialmente dali, ainda havia obstáculos à frente. Era tudo marrom, algumas partes mais fofas que outras, mas no geral estava tudo duro e doía-me me esgueirar por ali. Mas eu ia em busca da luz. Uma parte de mim sabia que eu teria dela tudo que precisava.
Portanto continuei minha árdua e dolorosa viagem vagarosamente. Parecia que a luz não chegava nunca e que fazia dias que eu estava lá. Até que enxerguei um pontinho luminoso, mais parecia uma estrela, mas eu sabia que era em sua direção que eu deveria seguir. Quando fui chegando à saída, notei que tudo ao meu redor ficava mais escuro e duro e que sair de lá era como se eu tentasse levantar um bloco de concreto. A viagem só piorou, mas não perdi as esperanças e fui seguindo aquele pontinho de luz.
Quando consegui colocar minha cabeça do lado de fora, vi que tudo estava iluminado, mas nada era como eu pensava. O chão sob parte de mim era preto e o céu sobre mim era cinza. Não havia nenhum semelhante e tudo era confuso e movimentado. O barulho não cessava e parecia que eu ia ficar louca. Mas meus instintos me diziam que já estávamos chegando ao inverno e eu teria que me apressar para guardar energias.
Continuei a crescer e sair daquele buraco e meus pés, que eu tentava mexer, doíam, mas eu não podia desistir. Tentei ficar o mais bonita possível. Aquele ar com fumaça cinza não me fazia bem. Aquelas coisas redondas passavam velozes e perigosamente próximas de mim, mas eu não me deixei abalar. Tentei crescer o máximo e ficar o mais bela que podia; mas um dia uma daquelas grandes coisas redondas passou por cima de mim. Não conseguia me mexer e estava muito dolorida e, somente nesse estado, alguém reparou em mim. Um garotinho humano que andava com sua mãe humana:
- Olha mamãe, alguém atropelou aquela florzinha!
- É claro, filho – respondeu a mulher-, quem mandou uma flor nascer no meio do asfalto?



Inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade, "A Flor e a Náusea":
(...)
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
(...)
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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