Abri meus olhos.
Não estava dormindo, aliás, nunca dormia. Levantei da cama e olhei para trás.
Admirei o corpo que jazia na minha cama. Nu, ele era ainda mais bonito do que
se podia imaginar que era por baixo de suas roupas. Suas longas madeixas ruivas
estavam estendidas pelo travesseiro. Não me lembrava de seu nome. Não podia ver
seu rosto, nem queria. Lembrava-me de que era bonito, mas nunca compensaria
aquele rosto que jamais me esqueci, aquele rosto que assombrava meus sonhos e
que eu via em todos os lugares, embora nunca fossem reais o suficiente para eu
poder tocá-lo.
Peguei uma pequena
caixa em meu criado mudo e tirei uma foto de dentro. Nunca me esqueço daquele
dia: foi o último dia que a vi. Na foto ela sorria, mas havia tristeza em seu
rosto. Eu não me dava ao trabalho de sorrir. Nós éramos jovens e estávamos
apaixonados, mas seus pais eram orgulhosos demais de seu dinheiro para deixar
que sua filha namorasse alguém como eu. Ela tinha vergonha do dinheiro. Ao
perceber que apenas proibir não era o suficiente para nos deixar afastados,
seus pais a levaram para longe, sem que pudéssemos nos ver. Eu lhe disse que
faria de tudo para lhe dar a vida que seus pais queriam para ela, mas ela não
queria nada disso, apenas estar comigo. Mesmo assim, ela foi levada embora.
Creio que ela nunca
recebeu as cartas que lhe mandei e que eu nunca recebi as cartas dela, mas
mesmo assim ela sempre foi a dona de meu coração. Imagino que hoje ela já
esteja casada e com filhos. Netos até. Imagino que tenha finalmente gostado de
um dos ricos jovens que seus pais lhe apresentavam e tenham uma vida fina e
próspera juntos. Imagino que eu não seja mais do que uma lembrança para ela.
Com o tempo as
pessoas esquecem-se de um rosto quando não visto com frequência, mas eu nunca
quis esquecê-la, sempre observando a nossa foto e imaginado como seria se ainda
estivéssemos juntos. Nunca fui atrás dela para saber como ela estava, se ainda
estava viva... Tinha medo de não conseguir ficar longe. Mas ainda imagino-a
mais velha, mais vivida e com os mesmos olhos juvenis e o rosto perfeito.
Aquele rosto que só
via nas fotos, com um lindo par de olhos azuis, maças vermelhas e cobertas de
pintinhas que me faziam lembrar as estrelas, seu sorriso maravilhoso que me
trazem tantas lembranças e seu longo e ruivo cabelo ondulado caindo sobre seus
ombros e cobrindo-lhe as costas. Queria poder ouvir de seus belos lábios
novamente o “Eu te amo!” das despedidas, que foi a última coisa que ouvi, e que
sempre vinham acompanhados com um beijo no reencontro, que eu nunca recebi.
Com meio século de
vida já devia ter superado, seguido em frente, mas nunca achei alguém que a
substituísse. Meu coração ainda palpitava quando me lembrava dela, quando me
lembrava de nós dois. Essa noite ele palpitou mais forte e hesitou. Caí de
joelhos no chão, apesar de tudo, feliz. Nem eles me aguentaram e caí deitado.
Levantei sua foto mais uma vez, olhei seu rosto pela última vez, pois era a
última coisa que eu queria ver. Sorri e fechei meus olhos para não esquecê-la
mais. Eu sabia que esse dia chegaria. O dia em que meu coração não aguentaria
pela sua ausência e desfaleceria.
Cheguei ao lugar
indicado no endereço. Meu coração doía tanto quanto da última vez que o vi. Era
mais uma despedida, mas dessa vez só eu diria adeus. Depois de meio século de
vida deveria ter conhecido alguém ou me casado com um desses ricos homens que
meus pais me apresentavam, mas não pude, pois nunca consegui esquecê-lo.
Carregava aquela
foto da última vez que o vi junto ao meu peito. Não queria que fosse verdade.
Queria poder acordar e descobrir que tudo isso tinha sido apenas um sonho.
Queria poder acordar mais uma vez em seus braços e vê-lo sorrir. Mas,
infelizmente, essa era a realidade, uma vida inteira sem ele. Sempre pensei,
mas nunca quis ir atrás dele, procurá-lo. Pensei que ele podia estar casado e
com filhos. Não queria destruir sua vida reaparecendo desse jeito. Só queria
poder dar-lhe o beijo de reencontro que lhe devia após ter sido levada daquele
lugar, dos braços dele. Fiquei impressionada ao saber que ele não havia deixado
nenhuma viúva ou filhos, nunca tinha se casado. Seria muita inocência minha
pensar que ele ainda estava me esperando? Acho que sim. Eu não devia ser mais
do que uma lembrança para ele, mais uma namorada da sua juventude.
Cheguei perto de
seu caixão. Ele estava tão bonito quanto quando era jovem. O mesmo lindo rosto,
apenas um pouco mais envelhecido, com o mesmo sorriso. Parecia que eu o via
dormir, como já tinha visto tantas vezes quando éramos jovens. Seu cabelo ainda
muito castanho e ondulado, embora estivesse começando a rarear. Chorei as
mesmas lágrimas da nossa primeira despedida. Deixei a foto que carregava em
suas mãos, agora frias, e me virei para ir embora. Não queria molhá-lo com
minhas lágrimas mais uma vez, lágrimas que ele já não devia mais se lembrar.
Voltei apenas para lhe dizer “Eu te amo!” e dar-lhe um último beijo e fui
embora para sempre.
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