
Ele não tinha culpa
daquilo. Ele havia feito isso, mas as causas estavam acima de si. Sua mãe
estava muito doente e, por causa disso, tinha sido demitida. Sem emprego, não
tinha como sustentar ele e seu irmão. Seu pai tinha ido embora quando ele ainda
era pequeno. Não se lembrava de seu rosto, mas se lembrava das bebedeiras e das
surras que ele e sua mãe levavam, enquanto seu irmão, ainda bebê, chorava
desesperado. Quando ele partiu, foi um alívio para o garoto e finalmente o bebê
pode dormir em paz, mas não foi o mesmo para a mãe. Ela pegou a única foto que
tinha do marido, a do casamento, e levou a todos os lugares. Levou a hospitais
e delegacias, buscando o pródigo. Chegou a procurá-lo nos necrotérios, dizendo
que a bebida poderia tê-lo prejudicado a tal ponto, mas nunca o encontrou.
Depois de dois meses,
chorando toda noite, ela se conformou que não encontraria o marido. Durante
essa noite, a única que ela dormiu depois da partida do homem, o garoto entrou
em seu quarto, pegou a foto que ela deixava no criado-mudo e rasgou-a,
jogando-a fora. Na manhã seguinte, quando a mãe questionou-o sobre a foto, ele
apenas disse que o vento a havia levado junto com a última lembrança do pai.
Nunca mais o homem foi citado naquela casa.
Desde então, sua mãe, que
passava o dia cuidando da casa e dos filhos, arrumou um emprego. Matriculou o
filho mais velho numa escola pública, onde ele poderia ficar o dia inteiro, e
deixava o filho mais novo na casa de uma vizinha. Trabalhava muito mais que seu
corpo aguentava, por isso adoeceu alguns anos depois. Como ela trabalhava de
forma precária e informalmente, não conseguia ter o mesmo desempenho, por isso
foi demitida. Em casa, de cama como recomendado pelo médico, não podia
sustentar a família. Ela até tentou mandar algumas cartas para o pai das
crianças sem eles saberem, pedindo ajuda, mas ele não respondeu. Então ela
mandou o filho mais velho tentar conseguir algum dinheiro, vender alguma coisa,
mesmo que fossem as coisas da casa. Ele tentou vender a TV com defeito, a cama
quebrada, a geladeira enferrujada e o fogão estragado, mas nada vingou, eles
continuaram tão sem dinheiro quanto antes.
Conseguiu comprar algumas
balas com um financiamento, pagando-as depois de vendidas. Foi para os faróis,
ofereceu de carro em carro, de janela em janela. Ninguém comprou. Tentou vender
nos parques, nas escolas e nas ruas. Nada funcionou. Conseguiu vender uma ou
outra bala, mas não foi o suficiente para pagar a dívida da compra das balas.
Tentou arranjar um emprego, mas ninguém queria contratar um garoto tão novo.
Procurou alguém que pudesse ajudá-los, mas ele só conhecia quem tinha dinheiro
para si próprio e para mais ninguém.
Um dia, viu uma mulher
deixar a carteira cair no chão. Ele tentou chamá-la, mas ela se assustou e
fugiu. Ele pensou em levar a carteira para a delegacia, mas quando a abriu, viu
que estava recheada de dinheiro. Ele tinha que comprar os remédios para a mãe.
Decidiu ir à farmácia e depois a delegacia. Avisaria que tinha pegado um pouco
de dinheiro. Quando estava saindo da farmácia, lembrou-se do seu irmão chorando
mais cedo porque não tinha jantado no dia anterior e não teria café-da-manhã
aquele dia. Passou no supermercado. Gastou pouco, mas o suficiente. Decidiu
pegar mais algum dinheiro para o caso de não conseguir mais durante algum
tempo. Levou a carteira até a delegacia, quase vazia, e quando o policial
perguntou-lhe se ali havia mais dinheiro, ele ficou com medo de ser preso e
disse que só tinha aquilo quando a encontrou.
Adorou quando chegou a casa
e seu irmão, sorrindo de felicidade, abraçou-lhe ao ver a comida por que tanto
ansiava. Sua mãe sorriu orgulhosa do filho por perceber que ele finalmente tinha
conseguido lucrar. O garoto mentiu dizendo que a historia das balas havia dado
certo. A mãe, inocente, acreditou em cada palavra do filho. De repente, pareceu
a ele tão fácil, tão prático o dinheiro rápido e sem esforço. Não soube dizer
que força o levou a fazer aquilo, mas com certeza o amor pela sua família foi
decisivo.
Na manhã seguinte saiu bem cedo de casa. Não
sabia exatamente como fazer e ficou escondido numa viela até uma pessoa
distraída aparecer. Um homem passou com sua carteira levemente saltada do
bolso. Ele foi andando devagar atrás dele e, quando teve oportunidade, puxou a
carteira para fora do bolso e correu na direção oposta. O homem viu e correu
atrás dele, gritando para quem pudesse ajudá-lo. Antes que percebesse, alguém o
derrubou e não demorou a polícia aparecer. Ele foi levado para a delegacia.
Quando lhe perguntaram por que ele estava roubando, a única coisa em que
conseguiu pensar foi em sua mãe, mas não podia dizer que havia roubado por ela,
pois não sentia isso. Havia roubado para poder ver o sorriso no rosto de sua
mãe e de seu irmão. Havia roubado, pois foi o único jeito que encontrou para
comprar remédio para sua mãe para ela melhorar. Havia roubado, pois não queria
mais ver seu irmãozinho chorando de fome. Roubou pela necessidade que sentia de
melhorar sua vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, não vá embora antes de deixar um recado sobre o que você achou desse conto.
Obrigada!