O Sonho Esquecido


Esta noite tive um sonho. Sonhei com ele. Depois de tanto tempo, não sei o que lhe trouxe de volta à minha mente. Nós estávamos mais velhos, eu carregava um livro. Agarrei-me a ele quando o vi. Não queria chegar perto dele, mas ele caminhava em minha direção. Seu rosto estava tão claro que parecia que eu nunca tinha me esquecido daquelas feições. Ele me disse algo, mas não consigo me lembrar o que. Não parecia gostar do que ele disse.
Penso que sou masoquista. Esse estranho sonho abriu antigas feridas que, depois de muito tempo, eu inutilmente continuo a tentar fechá-las. Descobri que o melhor jeito de esquecê-lo era não pensar nele, não dizer nem ouvir o nome dele e, principalmente, evitar conversas sobre ele, ainda mais aquelas que se referem a sua partida. Depois de dois anos, comecei a esquecer seu rosto, seu cheiro, sua voz, mas no sonho ele estava tão perfeitamente representado em minha memória quanto da primeira vez que o vi. Aquilo abria um rasgo em meu coração.
O sonho trouxe-me antigas e esquecidas memória quando acordei. Lembrei de seu cheiro doce que sentia quando o abraçava, que ficava impregnado no meu travesseiro durante uma semana e que, sem o qual, não tinha noites tranqüilas. Lembrei de sua pele sempre mais quente e morena que minha pele pálida. O contraste era confortável. Seus braços ao redor do meu corpo sempre me aqueciam, independente da temperatura ambiente. O seu abraço me fazia sentir-me uma criança em um porto seguro, me esquecendo de todos os problemas, minhas tristezas e minhas preocupações. Aquele era um ambiente de paz. Seus olhos cheios de lágrimas faziam os anjos chorarem. Eram castanhos e tão lindos que pareciam hipnotizar. Quando amorosos, faziam até o mais miserável ser sorrir.
Lembro-me das tardes em que seu peito colhia minhas lágrimas e sua mão impedia que elas rolassem pelo meu rosto. Sempre aberto aos meus problemas, sempre disponível para mim. Ele foi como ninguém nunca foi para mim. Ele foi único. As tardes que passávamos deitados na cama, abraçados, ouvindo músicas e conversando explodem em minha mente. As memórias de quando passeávamos ou íamos à festa juntos, ou de quando dormíamos assistindo TV depois de uma noite em claro cheia de conversas e piadas agora já não querem sair de minha cabeça. Tudo tão diferente de como era antes do sonho.
Mas nem tudo era perfeito. Odiava sua mania de nunca deixar uma música chegar ao fim, ou como ele me fazia rir quando estava brava com ele, ou pelo fato dele nunca falar alto que me amava quando estávamos em público, mas dizia e insistia nisso quando estávamos sozinhos. Apesar disso, eu ainda o amava, mesmo depois que ele partiu. Foi difícil conseguir viver sem ele.
Lembro-me como se fosse ontem da última vez que o vi. Foi pouco antes de ir embora. Ele me avisou que eu não o veria mais, que aquele era nosso último encontro e que ele não queria me ver antes de partir. A única coisa que pude fazer foi me despedir, mas ainda não havia percebido o que realmente acontecia: nunca mais poderia tocar-lhe, sentir seu cheiro, olhar nos teus olhos ou sentir o teu calor num abraço. Conforme os dias passaram e ele não surgia para a recepção calorosa toda manhã, percebi o ocorrido. Foi aí que a dor tomou conta de mim. Sentia-me como se alguém tivesse arrancado meu coração a força. Parecia ter apenas um vazio em meu peito. O rasgo que ele me deixou de lembrança aumentava a cada dia que eu não o via. E, assim, percebi, depois de muita dor e saudades, que deveria tentar superá-lo, tentar viver como se ele nunca tivesse existido. Deverias seguir com minha vida sozinha, e assim o fiz.
Dois anos depois, já conseguia não pensar nele e deixar o rasgo em meu peito fechado. Até o sonho dessa noite. Acordei com o coração doendo, lagrimas voltaram a se precipitar de meus olhos, como se ele tivesse partido no dia anterior. Vi os anos correrem diante de meus olhos. Todos aqueles momentos e lembranças que eu tentava não lembrar. Momentos felizes que passei com ele e lembranças do meu sofrimento, das tantas lágrimas que derramei por ele. A dor foi tanta, como a daqueles dias sem ele.
Fui até sua casa. Não havia ninguém lá. Tantas memórias de quando eu ficava ali, parada, como agora, esperando por ele. A janela de seu quarto estava fechada, como sempre esteve desde sua partida. Fiquei observando como se esperasse que algo acontecesse. Nada aconteceu. Voltei para minha casa, por algum motivo, em lágrimas. Parecia que todas as músicas que tocavam me faziam sentir-me pior. Lembrei de tantos livros que já tinha lido e que, numa situação semelhante a minha, sempre acabavam bem. Mas minha história não teria um final feliz. Em meu quarto, fiquei olhando para as portas de meu armário. Dentro dele, eu havia guardado uma caixa com todas as minhas lembranças dele, todas as fotos e presentes. Pensei em abri-la e reviver todos os nossos momentos juntos, mas julguei que seria muito mais doloroso para mim, quando tentasse esquecê-lo novamente. Assim, me retirei do quarto e fui tentar reviver minha vida. Minha vida sem ele.

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