Incorrespondível


Eu não podia acreditar que aquilo acontecera. Só podia ser um sonho. Não, um pesadelo. Se eu pudesse mudar o que aconteceu. Eu daria minha vida por ele. Parece que aquela mulherzinha não foi capaz de salvá-lo. Pelo menos morreu. Menos inúteis nesse mundo. Mas não era justo que ele morresse também. Era um homem tão bom, tão lindo, tão gentil e agora tudo o que eu podia ter dele era essa imagem de suas pálpebras fechadas para sempre. Via aquelas pessoas chorando pela sua falta. Bando de hipócritas! Ninguém deveria chorar mais do que eu, ninguém o amou com eu, nem mesmo aquela vadiazinha com quem ele estava e que morreu com ele. Ninguém sabe como eu me sinto. E agora, parada de frente para aquele caixão, queria que todos sumissem. Queria um último momento com ele.
Segurei a borda de seu leito eterno. Não queria me separar dele. Implorei para que ele voltasse, voltasse só para mim. Não deixaria que nada lhe acontecesse. Prometi tomar conta dele, mas parece que meu juramento se passou por um ato desesperado de uma desconsolada. As pessoas vieram conversar comigo, ou pelo menos tentar. Eles não me entendiam, não mereciam minha atenção, eu não deveria lhes dirigir a palavra. Dispensei-os sem tentar ser agradável. Eles também não eram agradáveis para mim. Alguém se aproximou de mim. Não disse nada, só ficou parado atrás de mim. Conseguia sentir sua presença. Aos poucos ele chegou perto, passando as mãos pelos meus braços e, enfim, colocando-as sobre as minhas. Ele tentou me fazer soltar o caixão, mas eu não cedi.
- Vá embora. Eu não preciso de você.
- Sei que não, mas eu não gosto de te ver assim. Ele não merece esse seu sofrimento. Você precisa deixá-lo.
- Não vou. Vai embora. Sua companhia não me agrada. Ficarei com ele até o último minuto. Eu o amava.
- Sei disso, mas ele não te amava. Vamos embora.
- Você só diz isso porque ninguém te ama. É um pobre coitado, sempre sozinho. Você não me terá como companhia.
- É verdade, ninguém me ama, mas não quero que o mesmo aconteça com você, por isso peço para irmos.
- Será que você é surdo? Eu disse para você ir embora e me deixar sozinha.
- Vou porque é você quem pede, mas vou contra minha vontade.
E de fato ele se foi. Ele sempre tentou ser meu amigo, mas também sempre tentou me fazer esquecer o meu grande amor. Só porque ele estava com outra, não significava que um dia ele não me amaria. Acompanhei o funeral até o fim. No enterro, esperei até que o último grão de terra lhe cobrisse. Ainda chorei minhas últimas lágrimas sobre ele. Depois voltei para casa.
No caminho, parei na farmácia. Comprei alguns remédios que precisava para aquela noite. Tomei um banho, coloquei minhas melhores roupas e deitei na cama. Trouxe comigo os remédios que havia comprado e um copo d’água. Separei todos os comprimidos e a quantidade que necessitava. Tomei todos de uma vez. Esperava que eles fizessem efeito rapidamente. Não pretendia viver sem o amor da minha vida. Quem sabe nós poderíamos nos encontrar num outro plano e vivermos juntos. Dormi e nunca mais acordei.
Fui encontrada no dia seguinte pelo meu “pseudo-amigo”, que foi até minha casa para saber se eu estava bem. Sua preocupação me irritava. Ele fez de tudo, em meio aos prantos, para tentar me reanimar, mas eu já estava morta há algumas horas. Em meu enterro somente três pessoas compareceram: ele, sua mãe (que o acompanhou, pois ele não estava em condições de dirigir depois de tanto chorar – que patético!) e minha mãe (que só apareceu, pois era ela quem havia organizado o enterro).
Aquele cara ficou chorando sobre o meu corpo. Pelo amor de Deus! Se eu pudesse, estaria revirando os olhos. Mesmo por trás das minhas pálpebras cerradas e dos meus olhos vidrados, ainda via seu rosto patético me seguindo. Não sei qual era sua obsessão por mim. Qual é? Nem minha mãe estava chorando pela morte de sua filha única, porque ele estaria?
- Calma, meu filho. Não fique assim. Você sabia que o coração dela pertencia a outro. – sua mãe lhe disse.
- Ela não te amava e não merece seu sofrimento. Você precisa deixá-la. – dessa vez foi minha mãe quem falou.
- Foi exatamente o que eu disse para ela da última vez que a vi viva. – ele respondeu.
- Pois então siga seu próprio conselho. Essa mulher não tinha coração e não era capaz de amar. Ela não amava nem a mim, que sou sua mãe. Quem diria de alguém como você. Tente esquecê-la. Será o melhor para você.
- Ela podia não me amar, mas eu a amava. Ela era minha vida, embora me ignorasse. Ela tinha meu coração, embora me maltratasse. Ela era tudo para mim, embora eu não existisse para ela.
- Vamos, meu filho. Deixe essa mulher e vamos. Sua vida ainda não acabou. – e então todos partiram.

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