Gota de Esperança

Sentei no banco do ônibus. Ele estava lotado, foi sorte eu ter conseguir me sentar aqui. O lugar cheira mal por causa do excesso de pessoas aglomeradas num calor intenso. Posso sentir uma gota de suor escorrendo pelo meio das minhas costas. O tempo abafado não colabora nem um pouco com isso. Além desse clima que eu não suporto, ainda tenho que lidar com os meus problemas. Estou quase bombando na faculdade. O trabalho exige muito de mim, por isso não tenho tempo para estudar e, caso eu repita, vou perder a bolsa de estudos e meu salário não é suficiente para pagar a mensalidade. Outro problema é que estou a ponto de ser demitida do meu trabalho por tentar estudar durante meu expediente e tenho que confessar, não é possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo, estudar e trabalhar.
Já pensei em trancar a faculdade, mas, honestamente, se eu fizer isso, tenho certeza que não voltarei a estudar e, sem um diploma, nunca vou conseguir subir na carreira. Não posso largar o trabalho para estudar. Se eu vivesse sozinha, até conseguiria me virar, pedir auxílio na faculdade e com meus parentes, mas desde que eu decidi ter a minha filha e ficar com ela, e não colocá-la para adoção como minha mãe queria, já que o pai não quis assumi-la, minha família não fala mais comigo. Sem contar que a faculdade não dá auxílio para as pessoas com dependentes e, se eu largar meu emprego, não terei como comprar comida para minha filha ou pagar o aluguel da casa. Já pensei em deixá-la na casa da minha vizinha, que é onde ela fica enquanto eu trabalho durante o dia e estudo durante a noite, mas não consigo ser uma mãe assim desnaturada.
Foi então que algo me chamou a atenção. É uma pequena joaninha andando no vidro da janela do ônibus. É tão pequenina e linda, inteiramente vermelha e brilhante, como uma gota de sangue. Ela caminha pacificamente, mas sem rumo. Pensei que ela poderia estar perdida, assim como eu. Ela anda delicadamente, colocando uma pata na frente da outra, como se um passo seu poderia abalar o ônibus inteiro. Ela subiu a janela, depois desceu e voltou a subir. Parou um instante e mexeu suas anteninhas. Por alguns momentos era como se todo o meu mundo se concentrasse naquela pequena criaturinha, como se tudo dependesse dela e era essa a sensação que eu sentia. Continuei a observá-la por um tempo, não sei quanto, apenas observei. Comecei a pensar como a vida daquele pequeno inseto é muito mais fácil que a minha, sem problemas, sem complicações, mas logo depois comecei a pensar que eu poderia estar errada, que a vida dela pode ser mais difícil que a minha. Eu não tenho o tamanho de uma semente de maçã, eu não vivo evitando ser morta por seres gigantes, o vento forte não me impede de seguir meu caminho, eu não vivo fugindo de meus predadores e é na cidade que eu encontro meu sustento, ao contrário da joaninha. E então comecei a me sentir egoísta.
Há tantas outras pessoas e outros seres numa situação pior que a minha, que eu na deveria apenas pensar nos meus problemas, mas deveria ver que há coisas muito piores pelas quais eu poderia estar passando. Eu tenho uma casa e uma filha, eu estudo e, querendo ou não, eu ainda não perdi meu emprego. De repente tudo me pareceu tão fácil, tão controlável e manipulável como muitas das coisas não eram para aquela joaninha, como o fato dela estar presa dentro de um ônibus cheio de gente. Aproximei meu dedo dela. Ela parou, examinou e depois subiu nele. Deixei que ela se sentisse confortável e, quando o ônibus parou num ponto, coloquei minha mão para fora e ela voou, seguindo seu próprio rumo com um obstáculo a menos pela frente.

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