Cidade Vermelha


Aquela sirene não parava de tocar. Todos começaram a gritar e correr, se agarrando a seus familiares e amigos. Todos menos uma garotinha que havia saído de casa a mando de sua mãe para comprar pão. Ela não sabia o que aquela sirene representava, mas sabia que as ruas calmas agora se tornaram aglomeradas e barulhentas. Compras eram largadas nas calçadas, lojas eram abandonadas e carros estavam parados, vazios, nas ruas. O caos havia se formado. Ninguém parecia saber para onde correr. Trombavam e caiam sem se importar em parar ou se desculpar. Aqueles que se machucavam não se preocupavam em estancar o sangue que lhes escorria pelas peles brancas.
As pessoas esbarravam na menina, algumas puxavam o seu braço e gritavam “Corra!”, mas ela não sabia para onde ir. Estava longe de casa e teria que pegar um ônibus para chegar lá, mas algo lhe dizia que ela não encontraria nenhum por ali. O desespero tomava conta de todos, mas de algum modo não a atingia. Ela se dirigiu à rua, parada entre os carros, onde não atrapalharia ninguém na sua corrida frenética.
Ficou lá durante alguns minutos, vendo o movimento desnorteado ao seu redor. Se ao menos sua mãe estivesse ali, ela saberia o que fazer. Portanto resolveu ficar parada, esperando para saber o que iria acontecer. Viu as pessoas correrem até perceber que tudo começava a ficar vazio, quieto novamente. Não havia mais ninguém em lugar nenhum, mas a sirene continuava a tocar.
Uma ventania forte passou. Os cabelos da garota esvoaçaram, o saco de pão fugiu-lhe das mãos e seus braços se levantaram para proteger seus olhos. Algo passou acima dela, o barulho era estridente, mas ela não conseguiu levantar os olhos a tempo de ver o que era. Apenas viu um ponto brilhante no céu, como uma estrela que surge durante o dia. Tão bela quanto a lua cheia no céu escuro. Tão intensa quanto o fogo numa noite fria. Tão surpreendente quanto um eclipse inesperado. Era algo desconhecido que ela nunca havia visto antes. Ela não conseguia tirar seus olhos do objeto.
Aquilo se aproximava dela lentamente, ou assim parecia, pois ela já não tinha mais noção do tempo. Estava paralisada, fascinada. O objeto bem acima dela, embora grande como fosse, parecia carregar uma leveza e paz com ele. Aquela luz que refletia em sua superfície prateada resplandecia para todos os lados, sendo digno dos céus, de onde surgiu. Sua aparência arredondada e perfeita, lisa, parecia ter sido esculpida por anjos.
Aquela imagem divina poderia ter sido a última que ela veria, de tão bela que era. O objeto continuava a descer e se aproximar, passando pelo rosto da garota. Na sua frente, ele parecia ainda maior e mais fascinante, deslumbrando-a ainda mais, se é que era possível. O objeto tocou o chão em frente aos seus pés e uma luz radiante saiu dele, rompendo-o, absorvendo o corpo e a alma da garota, deixando-a numa paz eterna.
A bomba caiu e explodiu na sua frente. A sirene continuou a tocar por alguns minutos, como uma marcha fúnebre numa homenagem póstuma. A menina morreu na paz de seu ser sem saber o que a bomba representava. A cidade estava destruída, deixando muitos miseráveis, mas ela ainda sorria em seu espírito. Era o dia mais feliz de sua vida e também o último. Era o dia mais triste de Berlim.

3 comentários:

  1. Meu Deus! Fazia tempo qu eu não lia um texto bom e bonito. Nossa, seu blog está um tempo na minha página de iniciar, porque era pra sempre eu ler e nunca dava tempo, ainda estava no primeiro e quando venho olhar já está no quarto. Nossa! Eu escrevo. Tenho muitas histórias. Mais eu gosto muito de escrever contos de fadas. Mas contos para adultos imagino, para crianças também, mas coitadas elas ficariam triste com o final dos personagens! Menina Você tem talento viu! Lembro que você disse lá na comudade que peguei seu blog que pretente lançar um livro! Isso mesmo! Também pretendo. Estou aguardando respostas só! Mias olha, tá de parabéns! Continua escrevendo viu! vou sempre ler. (Apesar que falta ler os 3 primeiros!)

    Abraços

    Felipe Potter

    ResponderExcluir
  2. Ah! e a crítica:

    "Foi realmente fantástico os últimos momentos da menina. Foi um conto que prendeu até o final, que nunca iria imaginar igual..."


    Felipe Potter

    ResponderExcluir
  3. Felipe;

    Muito obrigada pelo comentário. Estou feliz por você ter gostado do meu conto. Espero que você goste dos outros também. E obrigada pelo incentivo para lançar meu livro. Também torço por você. Aliás, quando você publicar seu livro, eu vou querer ler!
    Eu começei pensando em escrever livros para crianças, mas percebi que os finais que eu criava para minhas histórias não eram exatamente felizes. Descobri que meu verdadeiro talento era histórias mais adultas.

    Obrigada mais uma vez e boa sorte!

    Bah Fabbroni

    ResponderExcluir

Por favor, não vá embora antes de deixar um recado sobre o que você achou desse conto.
Obrigada!