Ele era um menino pobre, negro, que
morava na maior favela da cidade. Mas ele era inteligente e gostava de estudar.
Geralmente as crianças da sua idade não estudavam, elas trabalhavam ou
participavam do tráfico de drogas na favela, assim podiam ganhar dinheiro para
ajudar nas despesas da casa. Porém, com ele não era assim. Sua mãe sempre lhe
dizia que era preciso estudar, somente estudando ele conseguiria ser alguém na
vida, arranjar um bom emprego e sair da favela. Ela tinha estudado apenas a primeira
série e era analfabeta, só conseguia assinar o próprio nome, trabalhava como
faxineira e tinha dois empregos. Ela trabalhava tanto para que o seu filho não
precisasse trabalhar, para que ele pudesse estudar.
E ele estudava. Acordava todo dia,
ainda de madrugada, sua mãe lhe preparava o lanche e já deixava o seu almoço
pronto. Eles saíam juntos, pois precisavam percorrer toda a favela até chegarem
ao ponto e tomarem o ônibus. Eles se despediam e cada um entrava num veículo. A
mãe sempre ficava satisfeita ao vê-lo partir. Ele ficava apreensivo. Ele nunca
havia contado para sua mãe, mas ele tinha medo da escola. Ele era o único
garoto da favela que estudava lá.
As meninas tinham medo dele, se
sentavam longe, não falavam com ele. Elas não deixavam suas bolsas abertas ou
na sala sozinhas. Elas olhavam torto para ele. Quando se cruzavam nos
corredores, elas ficavam o mais longe possível.
Os meninos eram valentões. Sempre
roubavam o lanche que sua mãe fazia, jogavam no chão e pisavam. Eles costumavam
o chamar de nomes preconceituosos em relação à sua cor, o chamavam de
“ladrãozinho”, “favelado”, “marginal” e outros nomes. Os meninos batiam nele,
mas nunca em lugares visíveis de seu corpo, somente aonde ninguém veria as
marcas. Ele preferia assim, sua mãe não precisava se preocupar com mais isso.
Mas tudo isso ele podia aguentar.
Ele só não aguentava o pior de todos: os professores. Sempre que ele levantava
a mãe para fazer uma pergunta, eles diziam que não iriam lhe explicar nada, já
que traficante de drogas não precisava saber daquilo. Eles diziam que para ele
não havia salvação. “Favelado sempre vira marginal, traficante”, era o que
diziam. Falavam na sua frente, como se ele não pudesse ouvir, ou fosse surdo,
ou simplesmente não se importasse.
Porém, ele se importava. E mais,
isso o machucava. No entanto, não havia muito que ele pudesse fazer. Por isso,
durante o recreio, ele ia para a biblioteca. Lá ele ficava longe de todos e
podia estudar. Havia uma bibliotecária, uma moça jovem, bonita e muito gentil. Ela
era a única que gostava do menino naquele colégio. Ela lhe emprestava muitos
livros e o ajudava nas lições em que ele tinha dúvida. Ela dizia que um dia ele
iria fazer faculdade e teria um bom emprego. Nunca mais seria inferior aos seus
colegas e provaria aos seus professores que eles estavam errados.
Faculdade. Esse era um sonho. Ele
desejava muito poder fazer faculdade. Ele queria ser engenheiro, ou talvez
advogado. Ele poderia comprar uma casa e tiraria sua mãe da favela. Ela não
iria mais precisar trabalhar, ia ser a vez dele de sustentá-la. Eles iriam ser
felizes. Essa ideia floreava pela sua mente enquanto ele andava até o ponto de
ônibus. Fez sinal e subiu no ônibus que parava em frete a favela que ele
morava. Mais uma hora de ônibus e meia hora de caminhada e já estaria em casa.
Ele se sentou e começou a sonhar. “Faculdade, faculdade, faculdade, faculd…”.
Acordou assustado. As pessoas
gritavam, havia muito barulho e o garoto não conseguia entender o que estava
acontecendo. O ônibus estava lotado, as pessoas estavam muito agitadas, ele
ouvia um bebê chorando e vislumbrou, no meio da massa, uma arma. Ele ficou
angustiado, ouviu as sirenes da polícia, mas pareciam tão longe. Algumas
pessoas foram liberadas; a mulher com o bebê foi junto. O ônibus esvaziou um
pouco e ele pode ver os assaltantes.
Eles estavam recolhendo os objetos
de valores das pessoas. Separaram os homens das mulheres. A polícia estava lá.
Liberaram as mulheres, que correram para todos os lados. Os assaltantes
esconderam suas armas, eles pretendiam se misturar aos homens. O menino queria
pegar sua mochila da escola, mas não deixaram. Abriram a porta do ônibus e
empurraram para todos saírem. Ele viu os policiais empunhando suas armas. Ouviu
disparos.
Na manhã seguinte, seus professores
estavam reunidos na sala dos professores, discutindo uma notícia do jornal. “Eu
falei que ele era um marginal. Se não fosse pela polícia, nós poderíamos ser os
próximos”, dizia um. “Ainda bem que a polícia deu um jeito nele”, dizia outro. A
bibliotecária não acreditava. “Mas vocês tem certeza que ele era um dos
assaltantes?”, perguntou. “Você não leu o jornal? Aqui está falando que eles
mataram um assaltante menor, e que o resto fugiu. É ele, não é!? Então ele era
um ladrão mesmo”, lhe responderam. Ela não acreditava que ele poderia ser um
assaltante. Não, ele ia para a faculdade, ele não era um assaltante.